Organizado em três grandes partes, este compêndio poético desafia a caminhar na «secreta raiz», pelos corredores da inquietação e do estremecimento, possibilitando-nos vestir a pele das coisas vividas e ter nesse gesto um apaziguamento inenarrável. Neste sentido – gesto que doutrina o gesto, da mão estendida em direcção a nós, e que nos pacifica – esta é uma poesia de revelação, de esperança, contra o esquecimento, contra a morte. Abençoadas mãos que nos devolvem assim as palavras, «o nome das coisas» agrilhoadas na alma.
Para conferir nas 121 páginas e nestes extractos
Perante a morte estamos sempre sozinhos.
Umas vezes de pé, desassombrados.
Outras deitados em concha, no soalho.
Umas vezes dela falamos, outras não.
Nessas fingimos ter a fala neutra e esquiva,
Como se a tristeza não enchesse o horizonte.
Sozinhos perante ela certo é que estamos.
Dobramos o riso na curva dos caminhos,
Juntamos mãos a outros gestos já traçados,
Calcamos passos sobre a terra
E beijamos, nos nossos filhos,
A memória que, nossa, não teremos.
Traço as letras. Ao traçar as letras,
Sei de que falo.
Entretanto, nunca o saberei.
****
Talvez tenha sido esse o dia (foi seguramente)
em que falaste de asas,
como se a noite as fizesse crescer
por delas falarmos:
e houvesse, ao nosso lado,
o intermitente rufar das suas penas.
****
Só ontem disseste caminhamos sozinhos,
e por isso só ontem te entendi:
o silêncio do mundo está cheio de vozes.
Ardem as trevas e outros lugares, Helena Carvalhão Buescu; Editorial Campo das Letras, Porto, 2007
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